quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

É tudo meu!

Mortes acontecem em todos os lugares, inclusive em hotéis. Posso afirmar, na minha limitada sabedoria que: “onde há gente viva existe a possibilidade de alguém morrer de repente”.

No flat onde trabalhei em São Paulo moravam várias pessoas como mensalistas do pool hoteleiro e como inquilinos de apartamentos do condomínio. É óbvio que a variedade de profissões era um pouco grande: algumas garotas de programa, profissionais liberais, “teúdas e manteúdas” gente metida à rica mas que sempre atrasava os aluguéis, etc.

Dentre os moradores havia um argentino, sempre muito bem vestido, sempre muito fino, sempre muito galante e sempre muito metido a milionário. Pão-duro, pois não me recordo de ter dado um centavo de gorjeta a quem quer que fosse. Lembro-me que sempre, aos sábados, descia de calça social branca, camisa sempre muito estampada e colorida – de seda, paletó branco com um brasão bordado do lado esquerdo, sapatos brancos e um único taco de golfe: ia jogar golfe. Mas depois descobri que um golfista deve ter uma taqueira completa, com vários tipos de taco, para as mais infinitas possibilidades que se apresentam num jogo. Coitado: aliás, divagando aqui no teclado, coitado pode ser aquele que sofreu, de forma passiva, um coito? Mas então: coitado! Talvez enganasse os recepcionistas ignorantes em matéria de golfe, mas com certeza não enganava a todos.

Vou chamá-lo de Sr. Hadad.

O Sr. Hadad morava no 14º andar como mensalista do pool hoteleiro, e sempre pagou suas contas em dia. Corria entre os funcionários que o Sr. Hadad tinha uma loja de compra de ouro e jóias na região central da cidade de São Paulo. Quem mora em São Paulo conhece muito mais os pobres aposentados que ficam sentados em banquinhos nas ruas e calçadas do centro da cidade, segurando uma placa com os dizeres: Compro ouro - ou algo parecido.

A camareira que limpava o apartamento do Sr. Hadad era uma mocinha agitada, muito engraçada, morena, bonita. Vou chamá-la de Ivonete. Estava sempre rindo e não me recordo de tê-la visto um único dia de mau humor. Exceto depois do caso que passo a relatar.

Um belo dia o Sr. Hadad foi assassinado dentro do seu escritório, na região central de São Paulo. Não se sabe a causa do assassinato, mas sabe-se, pelos jornais da época, que não foi assalto. A comoção no flat foi geral, pois de certa forma todos gostavam do Sr. Hadad. Quem mais se descontrolou foi a camareira Ivonete, que não parava de chorar e soluçar pelos corredores do hotel.

No dia seguinte as camareiras não queriam nem pensar na possibilidade de limpar os apartamentos do 14º andar, nem a Ivonete. Algumas que tentaram desceram correndo, desesperadas, alegando terem isto o Sr. Hadad no andar – não acredito!

Ivonete, depois de dois dias da morte do Sr. Hadad, começou a dizer que tudo o que tinha dentro do cofre do apartamento lhe pertencia, pois o Sr. Hadad sempre lhe falava:

- Netinha, quando eu morrer tudo o que estiver dentro do cofre é seu!

Ivonete tinha certeza que ia tirar o pé da lama, até parou de chorar e passou a ter os olhos mais brilhantes, mais vivos e mais alegres.

Mas alguns procedimentos deveriam ser tomados. Na semana seguinte à morte do Sr. Hadad, sua filha, que morava no litoral de São Paulo, chegou ao hotel para retirar todos os pertences do pai. Imaginem como ficou a Ivonete? Correndo desesperada de lá para cá, dizendo que tudo o que tinha no cofre lhe pertencia, que a filha do Sr. Hadad não poderia abrir o cofre, que ia chamar a polícia, etc, etc, etc... Mas a Gerente Geral não poderia permitir, já que o pobre homem não havia deixado testamento.

Apesar de todos os conselhos da governanta, Ivonete subiu ao apartamento do Sr. Hadad para certificar-se de que o cofre não seria aberto. Como poderia ser aberto se o Sr. Hadad carregava a chave consigo o tempo todo? Mas cadê a chave do cofre?

A Gerente Geral conversava com a filha do Sr. Hadad no apartamento, e esta dizia:

- Meu pai não nos deixou nada. O cofre do escritório só tinha papéis. O apartamento do Guarujá foi financiado, no nome da minha mãe, e ele pagava as prestações mensalmente. Nem a quitação do apartamento será possível; temos que continuar pagando as prestações.

Imagine os olhos da Netinha ao escutar isto. Logo imaginou: está tudo no cofre e é tudo meu!

A Gerente Geral pediu então que Netinha saísse do apartamento. Muito contrariada, mas com os olhos brilhando, Netinha desceu.

Enquanto isso, a Gerente Geral e a filha do Sr. Hadad abriram o cofre do apartamento, já que a chave do cofre foi deixada dentro da gaveta do escritório, e sua filha tinha todos os documentos legais para proceder a posse de todos os possíveis bens, como herdeira legal.

Netinha, lá embaixo, imaginava que a chave do cofre não existia...

Logo depois a Gerente Geral e a filha do Sr. Hadad desceram. Se despediram na recepção do hotel e seguiram cada qual o seu caminho.

Imediatamente Netinha foi à sala da Gerente Geral obter mais informações: e o cofre?

- O cofre estava vazio. Lá estavam apenas o passaporte do Sr. Hadad, documentos pessoais, os documentos do financiamento do apartamento do Guarujá, os recibos de quitação das prestações e mais alguns papéis sem valor.

- Mas e o ouro, os dólares, as jóias? perguntou Netinha.

- Que ouro, Netinha, que ouro? O Sr. Hadad não tinha nada. Estava todo envolvido com agiotas, cheio de dívidas. Que ouro, Netinha? Que dólares? Que jóias?

Netinha, desconsolada e muito desconfiada, caiu em prantos e chorou por mais umas duas semanas. Mas nada tirava da sua cabeça que havia sido enganada: roubaram todo o seu ouro. Repetiu esta história por dias, meses:

- É tudo meu, ele deixou pra mim, prá mim, entendeu?

O Sr. Hadad descansou em paz (será?). Seu fantasma deixou de aparecer no 14º andar – pelo menos as camareiras esqueceram o caso... exceto a Netinha, que deve ainda pensar que foi roubada. Não sabemos a verdade, mas é melhor que tenha sido conforme a Gerente Geral relatou.

Netinha continuou trabalhando no flat por muito tempo ainda. Depois de uns quatro anos, perdi contato com a maioria, mas acredito e torço para que todos estejam muito bem. Deus lhes proteja.

Um comentário:

  1. Hahahahaha

    Vc tem esses surtos tb???

    Coito - coitado (ai senhor,kkkkkkkkkkkk)

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